Depois da conversa da passada semana, fiquei com este bichinho do regresso às origens… Como já tinha dito antes, um desejo que sempre tive e que tenho pena de não poder concretizar é o desejo de que o Sebastião pudesse crescer em Portalegre! Primeiro porque é a minha terra e depois porque acho que uma cidade pequena pode oferecer muito mais à qualidade de vida de uma criança do que uma cidade como Lisboa! Achei, portanto, que seria ideal falar com alguém que tivesse esta experiência para confirmar se aquilo que penso corresponde à verdade. Convidei então o João Picado, meu grande amigo de longa data, Portalegrense e Pai do Benjamim que também é Portalegrense.
Comecei a conversa com o João (ou melhor, com o Picado porque na verdade nunca lhe chamei João…), confessando-lhe uma espécie de inveja que tenho dele por ter a oportunidade de fazer crescer o Benjamim na nossa terrinha. “Nesse aspecto não há volta a dar, só tens uma solução… Ponderares voltar. Mas deixa-me dizer-te uma coisa… Ainda assim não será como a tua infância/adolescência porque vejo muitos pais a tratar os miúdos como se vivessem em Lisboa. Levá-los à porta da escola, mesmo vivendo a meia dúzia de casas. Eu procuro dar-lhe o máximo de liberdade possível. Estou curioso para ver como serão os próximos anos. Ainda é cedo, mas quero que ele vá para o parque brincar com os amigos sem a presença dos pais.” Isto leva-me então a ponderar que vantagens que fantasiei, talvez seja mesmo mais uma coisa dos tempos do que que do sítio em si! Provavelmente, aquilo que no fundo desejava era poder fazer o Sebastião crescer na mesma altura em que eu próprio cresci… Mas nisto o Picado partilha comigo o seguinte: “Nós vivemos num bairro com parque mesmo em frente e à volta há imensas oliveiras para ele trepar. Sei que quando tiver 7 ou 8 anos vai querer subir com os amigos, sem o pai atrás… Pelo menos é um desejo secreto meu! Outra coisa que noto que é fixe por vivermos em Portalegre é a probabilidade de os miúdos se reencontrarem nos fins-de-semana no parque, mesmo que não se combine. O Benjamim tem uma colega que mudou de escola mas de quando em vez encontram-se no Tarro e brincam!” Lá está… Com esta pequena afirmação volto imediatamente a pensar que estava certo no início! O simples facto de existirem oliveiras para trepar e haver paz para ele ir sozinho para o parque brincar com os amigos me mostra que o que queria era esta tranquilidade associada à cidade e a esta região… É disso mesmo que tenho inveja: do haver essa possibilidade! “Nisso temos uma vantagem tremenda… Mesmo que não haja a figura de um parque como Monsanto colado à cidade, tudo à volta é campo.” E isso é insubstituível…
Como já referi na conversa anterior, um dos meus desejos passa por mostrar e partilhar com o Sebastião os sítios que gostava em criança…. Onde andava à escola, onde brincava, onde jogava à bola! Sabendo que para o Picado estes sítios são praticamente os mesmos, quis saber se ele insistia também nisto: “Nem sempre o faço de forma deliberada. Acho que tens mais essa vontade por não estares cá. Estando cá, são os sítios habituais… Gosto muito de ir com ele ao Jardim do Tarro que visitava muito quando era pequeno. Também gosto de o levar ao parque de castelo de vide onde passei parte da infância. Para além disso, e como vivemos numa zona diferente, exploramos zonas a que não ia quando era miúdo. Mas sinto isso quando visito as minhas avós… No outro dia, por exemplo, foi muito giro, estivemos na Praceta e encontrámos miúdos dos 8 aos 14 anos que adoraram o Benjamim e enquanto andavam de volta dele, dei por mim a recordar as futeboladas, o jogar às escondidas, os joelhos esfolados e as mãos pretas do alcatrão e que implicavam banho antes de dormir nas noites quentes de verão…” Ao ouvir isto não pude conter um riso porque me apercebi de outra característica que Portalegre tinha… Esta coisa dos grupos de miúdos “dos 8 aos 14”! Na verdade, sempre foi assim… Nunca existiam grupos de crianças da mesma idade a brincar… Os companheiros de brincadeira eram os que havia lá rua e isso criava grupos muito heterogéneos de miúdos! Era, e pelos vistos continua a ser, como se fosse um gangue mas completamente inofensivo! Isto era ainda mais giro porque com o passar dos anos este grupo vai mudando, ou seja, uns entram, outros saem e os que continuam vão subindo de estatuto. “Sim é verdade… No bairro onde vivo isso acontece. Por vezes, quando os dias crescem e as temperaturas sobem, o parque do bairro enche-se de miúdos. Actualmente, o Benjamim é dos mais novos, mas no próximo verão vai deixar de ser e haverá miúdos dos 6 aos 2 ou 1 e meio.” Pode parecer estranho mas na verdade acho que isto faz um bem danado ao desenvolvimento das crianças…
No seguimento deste tema acabamos também por falar no quão mais fácil é termos os filhos debaixo de olho se for numa cidade mais pequena e ainda mais se essa for a cidade onde crescemos. Para isto lembrei o Picado de um episódio… Quando éramos adolescentes era comum (com mais ou menos dificuldade dependendo da noite anterior…) combinarmos jogar futebol nos sábados de manhã… Ora, o melhor campo para o fazer era o campo de futebol da Escola Secundária onde andávamos que estava fechada, por isso todos os Sábados tínhamos de fazer um gênero de assalto à nossa escola! Sabíamos que não podíamos, não contávamos aos nossos Pais, mas invariavelmente era isto que acontecia! Mas será que os nossos Pais não sabiam mesmo… “Eles sabiam claro… Aliás, os “assaltos” eram permitidos! Eu costumo lembrar uma história das jogatanas no campo do Colégio Diocesano… Eles deixavam sempre ir para lá, mas ao fim dos primeiros 5 ou 10 minutos aparecia sempre um padre numa janelinha lá no alto a queixar-se do vernáculo e a partir daí continuávamos a jogar sem asneiradas.” Isto é sem dúvida algo que apenas podemos ter na nossa terra… É uma mais valia imensa conhecer a maior parte dos truques e sobre o que é ou não “permitido” e poder controlar isso a uma relativa distância! Porque conhecemos os lugares, conhecemos as pessoas e assim tudo se torna mais fácil. “Quando somos miúdos aqui é comum fazermos determinadas coisas a pensar que somos muito crescidos e rebeldes, mas, sem sabermos, os nossos pais sabem e controlam. Porque eles também têm rede de contactos, os pais de todos nossos amigos, os professores, etc… e isso vai acontecer com o Benjamim.” Seja em que idade for, isto acaba por ser uma grande verdade e acho que traz uma tranquilidade enorme aos Pais, não os fazendo perder a coisa do “correr riscos e ser criança”…
Parece de facto ser quase perfeito por tudo o que o Picado conta… Mas serão só vantagens? Não haverá desvantagens nisto, falando exclusivamente da Paternidade: “Neste momento não… Nenhuma. Os infantários são muito mais baratos, normalmente a rede de apoio, seja familiar ou não, está mais concentrada. O tempo passa a voar e nem imagino como seria com 3 horas perdidas por dia no trânsito, por exemplo. O custo de vida é relativamente mais barato e depois tens a possibilidade, quando precisas, de ir aí, a Badajoz, onde quiseres. Até na oferta cultural para crianças, que não é tão grande, vão aparecendo coisas muito interessantes.” Neste momento aperta-se-me um pouco o coração porque sei que, apesar de todas as desvantagens que isto traria para a nossa vida no geral, isto será absolutamente verdade no que à Paternidade diz respeito!
Caminhando para o fim da conversa, apenas uma pequena provocação ao Picado… Fomos e somos ainda grandes fãs de Ornatos Violeta e por isso quis saber se o Benjamim já foi iniciado nestas lides: “Sim, uma vez no carro… mas pediu-me as músicas dele e não quis insistir. Curiosamente, já o fiz abanar a cabeça com Foo Fighters… Deixo-o ouvir o que ele gosta. De vez em quando, mostro-lhe coisas diferentes desde rock a jazz ou cante alentejano. Foi tão engraçado com o cante…. Não achou piada porque não dava para dançar” Cá nisso o Sebastião já sabe… Quando está com o Pai só ouve Muse, Green Day, Ornatos, etc, para se habituar às sonoridades, ou melhor, quero que ouça coisas diferentes do que ouve habitualmente para depois não estranhar nada que venha a conhecer. “Eu acredito que os moldamos precisamente porque eles se habituam à sonoridade. É por isso que tento mostrar-lhe coisas variadas… Mas que gosto claro…”
Para terminar, a minha pergunta inevitável ficou desta vez um pouco mais complexa… “Pois lamento informar mas a pergunta não se aplica… O Benjamim nunca usou chupeta. Só muito de vez em quando a utiliza como brinquedo de morder para aliviar a pressão dos dentes!” Sendo assim, passámos então para a parte metafísica da questão… Sobre a maneira como agimos quando estamos com e sem as Mães por perto: “Não há diferenças muito evidentes… Imaginemos que ele cai: Se estamos sozinhos digo para se levantar e só depois, se percebo que se magoou realmente, é que me aproximo, abraço, dou mimo. Se estou com a mãe, posso inicialmente fazer o mesmo, mas ao aperceber-me da aflição da Cristina, acabo por reagir de forma mais imediata… E o processo de fazer dele um homem perde-se (risos)” No fim de contas, acho que a história é a mesma mas contada de maneira diferente…
Para a semana aqui nos encontramos outra vez, muito provavelmente a dobrar…