No final do ano de 2015 conheci o Miguel Sousa Machado, o meu convidado desta semana, quando ambos iniciámos uma Pós-Gradução. O Miguel estava a começar a dar os primeiros passos nestas andanças da Paternidade e eu estava ainda a algum tempo de começar a preocupar-me com isso. Quando soube que o Sebastião vinha a caminho o Miguel acabou por ser das primeiras pessoas com quem partilhei a novidade. Estranhamente o fascínio do vir a ser Pai, e todas as diligências que daí advêm, tiveram durante algum tempo de dividir espaço no meu pensamento com exames e trabalhos de grupo. O simples facto de durante algum tempo ter voltado a estudar foi já um choque… pensava já estar despachado de aulas e vida de estudante e encaixar isso na fase da vida que já tinha deixado isso para trás foi algo desafiante, porque voltar a ser estudante é sempre um pouco de regresso atrás no tempo! A chegada de um filho nesse momento então é como que o encontro de dois extremos que nunca pensei que se juntassem. Por isso várias vezes falei com o Miguel sobre a vida com um filho, numa tentativa de mostrar a mim mesmo que isto tinha laivos de realidade. Por isso mesmo decidi convidar o Miguel para este espaço, pois foi dos primeiros Pais que conheci quando ser Pai tomou um novo significado para mim, e começo com a pergunta da praxe, “A chucha cai ao chão… O que fazes se estiveres sozinho e com a Mãe por perto?” “Se tiver com a minha mulher passo a chucha por água; se tiver sozinho com ele passo a chucha pela minha boca e dou-lhe… Obviamente depende do estágio dele; se for muito novo convém passar por água no mínimo, se for mais velho com a quantidade de vezes que eles pegam em coisas com as mãos e depois levam à boca, não é a chucha que vai ter algum problema… A mãe stressa um bocadinho mais… Tem aquela paranóia de Mãe”. Finalmente uma resposta não politicamente correcta!
Nesta altura em que se aproxima a época festiva, uma das coisas em tenho pensado mais é no significado que tem ter um novo membro na família presente. Não sei bem porquê, mas enche-me de orgulho o pensar que vou ser eu e a Cláudia a levar este ano a estrela do Natal. É um pouco estranho, mas dá-me um certo gozo mostrar e levar o meu filho quando a família se reúne e que seja ele o centro das atenções. Perguntei ao Miguel se também sentiu isto quando começou a levar o filho a almoços e encontros de família: “Deu-me muito gozo poder proporcionar isso à minha família, principalmente aos meus pais. Ver a transformação deles em avós. A minha mãe estava um bocado reticente com o peso da coisa de ser avó, mas hoje em dia é completamente perdida por ele. Tiro um prazer enorme dos momentos em que ele está com eles… Fico com um sorriso rasgado por ver que ele gosta e de eles quererem sempre estar a arranjar programas com ele” É fascinante o que a Paternidade nos faz mas é um pouco isto… O haver uma felicidade enorme de, mesmo aos olhos dos outros, nós passarmos para segundo plano. Como se houvesse algo dentro de nós que queira que o nosso filho molde o que está à nossa volta como nos molda a nós. Sim… Como já disse nas semanas anteriores, somos totalmente moldados pela chegada de um filho. Seja nesta alteração de prioridades ou no quão masoquistas nos conseguimos tornar… Por mais choros, falta de descanso, tempo e silêncio que tenhamos parece haver um boost de energia cada vez que ele sorri e é como se esses momentos quase por magia sejam imediatamente vistos como coisas maravilhosas. E de repente queremos mais e mais. Perguntei ao Miguel se sente o mesmo e a resposta não podia ser mais concordante: “ Ele deixa-me muitas vezes doido porque ainda não percebe o que pode e o que não pode fazer… parece que às vezes até me provoca com isso e quando a minha mulher chega a casa eu respiro de alívio. Mas sempre que ele acorda, eu levanto-me e vou lá contente porque ele acordou, parece que faço um reset… Posso estar esgotado de ter passado umas horas com ele mas quando ele acorda da sesta ou chega da escola é começar tudo de novo, do zero… Isso é muito engraçado de ver! Ganhamos uma capacidade regenerativa engraçada…” Há dias falava com alguém que me dizia que a Paternidade é quase como uma droga… Esgota-nos e deixa-nos de rastos mas ao mesmo tempo dá-nos energia para tudo e faz-nos querer viver a experiência a toda a hora, sem parar um bocadinho. É um pouco far-fetched mas há mesmo algo de inacreditável nisto!
Seguimos a nossa conversa para um outro tema que tenho vindo aqui a debater… Na vontade que nós Pais, e eu em particular, temos de tentar moldar os gostos dos nossos filhos. Sinto necessidade de falar nisso com todos os meus convidados porque apesar de me fazer sentido, não consigo deixar de pensar que há um certo egoísmo nisto, porque na verdade aquilo que quero é que ter o prazer redobrado de fazer algo que goste com alguém que adore… Ouvirmos uma música, falarmos sobre um livro, vermos um filme e saber que o meu filho está a tirar tanto dessa experiência como eu. O Miguel acaba por concordar comigo: “ Filmes sim… Gostava que ele gostasse porque é uma coisa que também gosto muito. Nesse tipo de interesses gostava também que ele gostasse de desporto. Eu gosto de jogar futebol, de correr… De fazer desporto e gostava que ele tivesse essa paixão!” Lá está! Às vezes o essencial é encontrar um ponto de encontro, mesmo no caso de algo tão abrangente como o desporto: “Tradicionalmente queremos que eles gostem daqueles que nós gostamos. Mas se ele gostar de Basket que é um desporto que eu não aprecio está à vontade. Gostava mais que ele gostasse de Ténis que foi uma coisa que eu pratiquei… Mas quero é que ele encontre o que ele goste… Se eu o forçar a gostar de Ténis sei que ele não se vai esforçar. Mas se ele tiver paixão por Basket vai mais facilmente empenhar-se e esforçar-se e isso é o mais importante… E talvez eu também mude e comece a gostar um bocadinho mais para o acompanhar. Desde também que não seja um desporto completamente absurdo e que eu não entenda tipo Curling.” Ao ouvir isto vejo então uma nova perspectiva na qual nunca tinha pensado… Que esses pontos em comum vão sempre aparecer porque se não for o Sebastião a gostar daquilo que eu gosto, vou ser eu a adaptar os meus gostos aos dele para o acompanhar. No meu caso adorava que ele gostasse de Basket mas se ele preferir ser um campeão de Esgrima, diabos me levem ser não vou ser o maior fã de Esgrima do mundo! Contudo, isto não é assim tão simples… Há coisas que dificilmente podemos mudar e este tema do desporto leva-me para a pergunta óbvia. Quanto poder de escolha deve um filho ter na escolha de um clube? “No meu caso tem muito pouca escolha e é fundamental que ele seja do Sporting… Era um desgosto para mim não ter um filho que me acompanhasse nisso. Já tinha pena se ele não gostasse de futebol e ainda mais se ele fosse adepto de outro clube… A minha mulher é benfiquista mas ela está completamente consciencializada que vai ter filhos sportinguistas. É um medo que tenho porque não conseguimos controlar a 100% mas acho que é um ponto importante na relação Pai-Filho. Pode parecer supérfluo mas é uma coisa que eu gosto e que gostava de poder fazer com ele”. Mais uma vez, e apesar de o ver o assunto com cores diferentes, não podia estar mais de acordo…
Nesta conversa de aperfeiçoamento de gostos e escolhas, quis também saber se o Miguel também quer ter influência noutro tipo de escolhas do filho: “A minha mulher é muito preocupada com a nutrição e a alimentação e, apesar de não partir muito de mim, gostava que ele também fosse moldado nesse sentido, porque acho que é importante ele crescer com essas noções! Não vou ser castrador e impedir que ele coma chocolates ou gomas… Quero só que seja equilibrado…Mas o meu papel nisto é essencialmente apoiar em tudo a minha mulher… Tenho os hábitos muito diferentes dos dela mas sei que ela está certa e eu errado. Vou evitar ao máximo que ele me veja a fazer as asneiras que faço na escolha da comida” Uma vez mais encontro um forte paralelismo com aquilo que penso. Obviamente quero que o Sebastião tenha uma alimentação equilibrada e noções de hábitos saudáveis porque sei que é o melhor para ele… Mas na verdade não me sinto em condições de poder ser um mentor neste tipo de decisões. Arriscando a ira de muitos Pais super saudáveis, vamos dizer que é um papel que cabe melhor às Mães!
Entramos assim novamente no campo dos papéis de cada um… Haverá na verdade um papel só para o Pai? “Hoje em dia já não há aquela história de ser o Pai o providenciar e a Mãe a cuidar dos miúdos… O papel do Pai é estar presente, educar, brincar, dar amor e passar tempo de qualidade com eles. Nesse aspecto acho que as coisas se equilibraram muito nos últimos tempos… a sociedade já não tem a mesma visão dos Pais que tinha há 50 anos… Hoje obviamente são tão carinhosos como as mães. Às vezes posso até ser mais disciplinador que a minha mulher, mas acho que é uma característica minha, não é o ser Pai ou Mãe. Eu mudo as fraldas, dou-lhe banho, visto-o, não adoro mas dou-lhe o almoço e o jantar, vou buscá-lo eu à escola, vou passear com ele ao jardim porque trabalho a partir de casa e tenho mais disponibilidade… Faço tudo e acho que deve ser assim. Há alguns anos talvez um Pai que fizesse isso tudo não era comum na sociedade. Antes o papel do Pai era estar fora a trabalhar e a Mãe com as crianças mas acho, e ainda bem, que hoje está tudo mais homogéneo… Até me considero com sorte porque a minha mulher trabalha das 9 às 20 e como eu trabalho em casa tenho mais disponibilidade para estar muito e melhor tempo com ele… Vejo isso como uma vantagem. Enquanto puder manter as coisas assim vou tentar mantê-las” Não deixo de sentir um pouco de inveja do Miguel neste ponto… Estou ainda a adaptar-me ao ter de estar todo o dia sem o Sebastião. É um pouco cruel que tão pouco tempo depois do nascimento de um filho, um Pai tenha de voltar à vida normal novamente. Havendo esta homogeneidade de papéis creio que isto se deveria estender ao tempo que é dado ao Pai para aproveitar a vinda de um filho. Aproveitando esta deixa, falámos um pouco dos momentos que se criam quando estamos sozinhos com o nosso filho. O Sebastião ainda interage pouco com o mundo, mas estou certo que quando o começar a fazer vão existir coisas que vou achar particularmente giras… Coisas que só um Pai vai perceber e guardar como um momento de orgulho: “Estava num sinal à espera que ficasse verde e ele estava muito sorridente para trás de mim e a fazer adeus… Quando olhei estavam duas miúdas sentadas numa esplanada a rirem-se para ele e ele com um ar charmoso. Acho uma certa graça a isto que seja sorridente e charmoso… É uma característica dele que eu acho muita graça.” Mal posso esperar que isto comece a acontecer também… Que o Mundo e ele comecem a interagir!
No final da nossa conversa, perguntei ao Miguel se havia algo que devesse estar à espera nos próximos tempos. Algo com o qual vou ter invariavelmente de lidar… “Eles querem sempre as coisas que nós não queremos dar… Comandos da TV, telemóveis. Já lhe dei comandos que não funcionam e ele depressa os descarta, mas muitas vezes quando nos esquecemos dos comandos em cima do sofá ele pega neles e fica em silêncio a aproveitar ao máximo porque ele sabe que não pode… Uma coisa que vais aprender é que começas a estranhar o silêncio…“ Na verdade já estranho mas, por enquanto, ainda só por querer que acabe para o ouvir mais um bocadinho…
Para a semana este Pai cá estará novamente, a falar com outro Pai sobre isto de ser Pai…