Ainda antes de ser Pai, ou até de o pensar, um dos maiores e primeiros contribuidores para o início da conversa da Parentalidade (talvez ainda antes de eu próprio o querer…) foi o João. O João é Biólogo/Comediante e acima de tudo é a pessoa que se senta na secretária ao lado da minha todos os dias no trabalho. Quando ele foi Pai, há cerca de um ano e meio, foi natural o passar a ouvir falar de crianças e de como conseguem alterar a nossa vida com muito mais regularidade. Isso e ficar com algum do trabalho dele pois consultas, licenças e febres entram na nossa vida muito antes de sermos Pais (e na verdade nessa altura não é algo que vejamos com tão bons olhos…)
Decidi então sentar-me com o João, para falarmos um pouco sobre a relação dele com o Miguel, do que ele sente com a Paternidade e para saber aquilo me espera num futuro próximo. Uma das coisas sobre a qual quero ouvir opiniões é em que diferem o ser Pai e o ser Mãe e acabo por partilhar a opinião do João : “A mãe parte com uma vantagem de 9 meses de contacto “exclusivo” e interacção constante com o filho. O pai parte atrás, tem uma relação para construir de raiz. O Miguel só se tornou real para mim quando nasceu. Aliás, a primeira coisa que me saiu quando a enfermeira o puxou para o mundo foi “ah!”, respondendo a enfermeira “então, pensava que isto era a fingir?”“. Na verdade isto foi um ponto que debati inúmeras vezes com a Cláudia (a minha mulher)… Uma certa inveja de haver aquele contacto exclusivo com o Sebastião. Para mim ele já estava ali e já era real, mas há sempre um sentimento de exclusão nesta relação… É como uma private joke muito prolongada, um grupinho à parte junto ao qual nos mantemos forçosamente durante nove meses. Tentamos fazer parte dele fazendo todos os favores, carregando todas as compras, cozinhando manjares divinos, fazendo “a nossa parte”… Mas há sempre uma barreira que não conseguimos ultrapassar e, ao que parece, sentimos sempre que começamos atrás. É bom saber que não sou o único.
Apesar disso, este sentimento como que desaparece após o nascimento… Aí já estamos num nível igual e o que passou torna-se rapidamente numa miragem distante. Mas o que se espera de nós aí? Para o João “O Pai tem de ser aquela rocha forte, um porto seguro, e ao mesmo tempo um parceiro de avarias, experiências e brincadeiras. Um baluarte da família e o mestre das cócegas. O companheiro de palhaçadas que de vez em quando tem de fazer cara de mau.“. De certa forma é também o que espero e talvez o que mais receio… Ainda há uns meses atrás uma das preocupações que tinha era onde ir jantar fora e neste momento confronto-me com a necessidade de ser um baluarte ou um porto seguro. Posso dizer que é maravilhoso e completamente assustador ao mesmo tempo. O simples facto de ter alguém que depende de nós é avassalador em todos os sentidos. O mesmo se aplica ao fazer cara de mau, ao ser o “educador”! Não me interpretem mal… Concordo absolutamente que o devo ser, quero sê-lo e sei que vou fazer um excelente trabalho, mas há algo tão incrivelmente pesado quando pensamos em formar uma pessoa, transmitir-lhe ideais e valores e ensinar-lhe o que é o correcto que não consigo deixar de pensar em como tudo anda tão rápido… É como diz o outro na canção “Who am I if I’m the person you become if I’m still groing up?”. Será isto fácil para o companheiro de brincadeiras? “Se fizer uma asneirita… se a Rita estiver deixo-a tomar a iniciativa, se não estiver tenho de vestir a farda de polícia mau. Se pisar mesmo a linha, aí tomo o controlo da situação, no matter what.”
Isto leva-nos então para outra questão… Quando soube que o Sebastião vinha a caminho disse para a Cláudia que não tinha medo de me cansar porque na verdade o que queria era alguém com quem brincar, a quem passar os meus interesses e ter uma desculpa para certas coisas. Não que queira criar uma cópia de mim, onde os interesses dele são reflexo dos meus, mas há algo fascinante nesta antevisão do que ele vai ou não gostar. Vão haver decerto ocasiões em que me encherei de orgulho secretamente, onde sem dizer a ninguém vou ficar estático com algo que ele faça, por eu próprio gostar. Será que isso acontece muitas vezes? “Sim… Por exemplo fiquei orgulhoso quando tentou imitar passos de kizomba ao ver um vídeoclip do Carlão. Como gajo da Buraca sei bem a importância que o conhecimento de danças africanas pode ter na adolescência. Só falta aprender a tarrachar.” É mesmo isto… Quero que ele faça as escolhas dele mas há um desejo intrínseco para que goste de certas coisas. É isto transversal aos outros pais como o João? Aquilo que queremos fazer com eles? “Nem sei… Quero fazer mergulho, ir ao cinema, chutar umas bolas à baliza no ringue do bairro. E ir a Alvalade, claro! Ultimamente, o que mais fazemos juntos tem sido dançar ao som de qualquer coisa animada, desde Panda e os Caricas ao Bruno Mars. Mas não tenho expectativas dessa ordem. Quero é que goste de jogos, livros, filmes, etc Espero contudo que não goste de algumas coisas (tipo Dan Brown/Gustavo Santos/Pokemons).”. Lá está, ninguém quer admitir moldar os gostos de um filho, mas há sempre uma expectativa que não desaparece para que partilhemos as coisas. Por exemplo, sei que vai haver alturas em que lhe oferecerei algo que será, na verdade, mais para mim do que para ele. Para o João, isso é também inevitável: “ É bom poder comprar Cerelac sem julgamentos por parte das senhoras da caixa do supermercado. Um filho é a desculpa perfeita para fazer coisas que “não são próprias de adultos”. Espero, por exemplo, oferecer-lhe uma viagem à Disneyland… com a mãe. Estarei na realidade a oferecer 2 ou 3 dias de férias a mim mesmo.” De momento ainda não sinto a necessidade deste tipo de oferta, mas o tempo o dirá! Aliás, como disse anteriormente, ainda estou a correr atrás em termos de tempo passado com ele em comparação com a Mãe. Ainda não consegui começar a fazer nascer as nossas coisas… Mas sei que isso existirá. Essas diferenças entre o estar comigo e com a Mãe, entre o que pode fazer com um e com outro. Quis saber então se o Miguel já evidencia isto: “Sim. Ele sabe, por exemplo, que se for eu a pô-lo na cama há muito mais probabilidades de vir cá para fora se fizer uma pequena fita. Quando estou sozinho com ele isso torna as coisas um pouco complicadas. Mas acho que esse contra é compensado pelas vezes em que estamos todos em casa. “Miúda, vais deitar o Mikas? Já sabes que se for eu ele não se fica…””. Apesar de no meu caso ser, ligeiramente, ao contrário, por enquanto, consigo relacionar-me com isto; mas e então, como são as situações onde normalmente estão os dois e depois ele se depara apenas com o Pai. Ele notará e agirá de maneira diferente? “Sim, sem dúvida! Por exemplo se o for buscar à creche sozinho ele corre para mim mal me vê, tipo o homem perdido no deserto quando encontra um oásis. Se a mãe estiver também a minha existência passa para segundo plano. E se o cão estiver `a espera no carro resumo-me a um insignificante motorista.” Sendo que não tenho cão, pode ser que não seja tão cruel…
E a diferença para nós mesmo? Será que sentimos que fazemos coisas diferentes quando estamos só com eles? Por exemplo, como se lida com o cair de uma chucha nas diferentes situações: “Nisso a reacção é a mesma: avaliar o grau de sujidade e agir em conformidade (grau 0: mete isso na boca puto; grau 1 : esfregar na camisola; grau 2: passar por água; grau 3: passar por água quente; grau 4: guardar para esterilizar mais tarde; grau 5: incineração).” “Quanto ao resto, dividimos papéis, quando ela não está tenho de assumir tudo. Acho que diferenças haverá sempre, vão-se transformando, suponho.”
Pois bem, já tenho bastante que assimilar esta semana… coisas que confirmei e coisas novas que surgiram. Uma pouco mais de luz no caminho que é construir uma relação com um filho… Por falar nisso, perguntei também ao João o que espera desta relação e do futuro: “Uma relação honesta e cúmplice, com entendimento e respeito mútuo. E muitas piadas, gozo, provas de vinhos alentejanos e idas ao futebol.” É, de facto, algo neste sentido… E é maravilhoso como esta construção agora está sempre em movimento e como espero que não pare nunca. Entretanto vou continuando a minha busca ao lado de quem me entende. Para a semana há mais.