Apesar de ser a melhor experiência do mundo, vamos ser sinceros… A Paternidade também traz uma série de alterações não tão boas! A verdade é que ficamos sem tempo para muitas coisas… Tudo tem de ser avaliado de antemão! Há sempre um biberon, uma fralda para mudar, um olho que tem de estar alerta… O Sebastião até é muito calmo, mas a verdade é que pela primeira vez na minha vida, tenho muitas vezes vontade de ir cedinho para a cama porque é muito comum acabar o dia completamente exausto! Nem consigo imaginar o que aconteceria com dois bebés! Por isso, esta semana, convidei o Gustavo González que é Pai do Lourenço e do Afonso… que são gémeos!
“É como trabalhar numa fábrica… É uma autêntica linha de montagem” diz-me o Gustavo. Só pensar numa simples coisa como o banho faz-me ficar de cabelos em pé… Não é que custe muito, mas pensar que cada vez que acabo de dar banho ao Sebastião teria de começar tudo de novo, enquanto ouvia o Sebastião a chorar porque já tem fome, é assustador! Muitas vezes penso que esta experiência é uma pequena loucura mas pensar em tudo a dobrar é de perder a cabeça. E se para mim isso é cansativo, como é para o Gustavo? “É alucinante… Eu uma vez, de mota, adormeci num semáforo a ir para o trabalho. É um cansaço extremo acordar vezes sem conta a meio da noite, por exemplo… Sei lá quantas vezes eles beberam mais ou menos pó do leite quando acordava a meio da noite para fazer 2 biberons (risos)… A verdade é que cresceram os dois bem (risos)” Eu próprio desconfio que nem sempre o meu filho terá bebido as medidas certas… certamente que com 2 isso não aconteceria! Mas pode este cansaço influenciar muito a maneira como olhamos para a Paternidade: “Eu nos primeiros tempos não achei assim tanta piada… Vives só para aquilo. Para mim não foi aquela felicidade imediata que se conta… Eles quando foram para casa tinham de comer de 3 em 3 horas e foi um instante até ficarem com as horas desfasadas por isso não fazíamos literalmente mais nada! Mas depois as coisas começam a acalmar…Começas a criar rotinas e as coisas mudam. Começas a conseguir aproveitar um pouco de todas as fases. Agora é espectacular, continua a ser cansativo, mas é muito bom” O início pode ser diferente mas a verdade é que no fim de contas o sentimento acaba por ser o mesmo.
Outra coisa que me intriga em pais de gémeos, são as questões mais logísticas… Fraldas, por exemplo! O número de vezes que tenho de ir levar o lixo à rua aumentou exponencialmente desde que o Sebastião chegou… Tenho ideia de nunca mais ter visto o caixote do lixo vazio desde que ele nasceu. “Salvo erro, nos primeiros 2 meses nós gastávamos uma média de 470 fraldas por mês… Deviam dar-me uma percentagem da Dodot” Este número é absolutamente incrível de ouvir, mas quando penso melhor percebo que nem é só isto… A minha casa está totalmente desfigurada neste momento e pensava que não poderia estar pior, mas falando com o Gustavo imagino o que seria tudo multiplicado por 2! Carrinhos, ovos, trocadores, berços, roupas, etc… “A casa é completamente monopolizada por coisas deles, ao extremo… Todas as divisões. Mesmo os cremes, o leite e essas coisas têm de ser a dobrar porque acabam num instante” Fazendo nós o biberon do Sebastião com água engarrafada, que tenho ter aos litros em casa constantemente, entro em pânico por solidariedade porque fisicamente não teria espaço para mais garrafas… Mas pelo menos aqui o Gustavo está mais tranquilo que eu: “A certa altura fazíamos com água engarrafada ou fervida mas depois começas a relativizar… Eles até água da cadela já beberam por isso percebes que não consegues controlar tudo”
A expressão controlar tudo, é de facto a última coisa em que consigo pensar ao falar de gémeos. Para mim, a imagem que me vem à cabeça é um rebuliço constante… Será que corresponde à realidade “Outro dia, por exemplo, cheguei à sala e estava a carpete, o sofá, a cadela, a roupa deles, tudo cheio de farinha… Abriram o armário, sacaram o pacote de farinha e sujaram tudo…” É mais ou menos isto que penso ser uma constante na vida de pais de gémeos, mas por muito hilariante que seja este episódio, é algo que pode acontecer apenas com um filho… Estou certo que um Pai de gémeos já passou por situações bem mais atribuladas “Há uns tempos dei banho aos 2… Tirei o Afonso da banheira, estava a secá-lo e a vesti-lo rápido para ele não apanhar frio e acontece que o Lourenço decide fazer cócó na banheira! Ora, não posso largar um porque vai começar a fugir pela casa e ainda se constipa e ao mesmo tempo não posso deixar o outro todo sujo até porque começa a cheirar muito mal na casa de banho. Lá tive de trancar a porta para um não fugir, tratar de voltar a dar banho ao outro e só depois continuar com o processo normal!” É bem mais isto que imagino ser o dia a dia do Gustavo… Sinto que enquanto Pais estamos constantemente a ser postos à prova e que temos de estar atentos e tomar mil decisões por minuto. Ser Pai de gémeos, como percebo agora, é ter de ficar confortável com isto muito mais rapidamente: “Com gémeos aprendes a relaxar inevitavelmente… Não dá para fazer de outra maneira. Tens constantemente de relativizar o choro deles e acudir aquele que percebes que precisa mesmo de ti. Outro dia quando chegámos a casa, na garagem, tirei-os do carro e fugiram cada um para seu lado… E agora onde é que tu vais primeiro? Ser Pai de gémeos trabalha-te esse poder de decisão… De em segundos avaliares onde reside a maior probabilidade de haver um perigo! Do ponto de vista estratégico também te obriga a desenvolver mais planos… Agora, para entrar no carro sento um no lugar do condutor com a porta fechada enquanto prendo o outro e só quando o primeiro já está preso é que vou buscar o outro” Vejo que esta situação é então um parodoxo. É muito mais exigente e cansativa mas obriga a desenvolver as skills necessárias a um Pai muito mais depressa… Simplesmente porque um Pai de gémeos não se pode dar o luxo de se preocupar com qualquer coisa irrelevante. E certamente aprendemos a olhar para certas coisas com outros olhos: “Uma ida ao parque não é uma coisa tranquila… Mesmo se os levares pela mão, ficas sem mãos para nada, nem para atender o telefone! Eu detestava mochilas e neste momento sou um grande grande adepto (risos)”
Um outro aspecto dos gémeos sobre o qual quis ouvir o Gustavo, foi a individualidade deles. Inevitávelmente, sempre que olhamos para gémeos temos tendência a agrupá-los numa só pessoa e acho que isso deve ser um desafio muito exigente para um Pai: “Tentamos não os vestir de igual e esse tipo de coisas… Temos de perceber que cada um deles tem o seu carácter e personalidade e para além disso, o pediatra alertou-nos para que se os vestíssemos de igual eles iriam ser muito mais competitivos um com o outro porque se sentem muito idênticos” Na realidade eles são 2 pessoas que podem até ser muito diferentes, o que me leva a pensar que isto traz outro tipo de dificuldades… “Nunca sei se devo castigar os dois quando acontece alguma coisa que não se sabe quem foi… Isso é muito tramado, perceberes o que fazer nessas situações! Mas muitas vezes quando um fica de castigo, o outro vai também por solidariedade mesmo que 5 minutos antes andassem à bulha.” E não é só isso… Mesmo os gostos podem ser muito diferentes entre eles: “Tens de te desdobrar mais claro… Se um gosta mais de jogar à bola e o outro de brincar com carrinhos, vais ter de jogar à bola e brincar com carrinhos” Mas e então se um Pai preferir muito mais brincar com carrinhos do que jogar à bola? Não há um receio de criar uma certa injustiça? “É possível que inconscientemente dês uma certa preferência aí e vou ficar a sentir-me muito culpado se me aperceber. Mas acho vais acabar por fazer as 2 coisas… Mesmo continuando claramente a não gostar de uma delas” Acontecendo isto nos gostos deles, decerto que é uma coisa que também acontece nas rotinas e o Gustavo acaba por desmistificar uma ideia que sempre tive de que com gémeos tudo acontece a dobrar ao mesmo tempo: “Sempre tentámos sincronizar tudo mas eles não são relógios… E é um mito de que eles se acordam um ao outro! Acontece muitas vezes um acordar a chorar e o outro não… O problema é que quando o primeiro se acalma, acorda o segundo (risos). E muitas vezes quando um come o outro não tem fome por isso é muito difícil normalizar as rotinas todas. Apesar de tudo, isso até te pode ajudar… Há birras que um faz mais que outro… Também adaptas a tua estratégia por aí sobre que faz primeiro o quê.”
Terminamos então com a pergunta da chucha no chão, com e sem mãe: “Se não estiver muito suja, vai directa para a boca deles… Se tiver um bocado suja e a Filipa não estiver por perto, passo pela minha boca e ponho na deles! Se ela estiver vou lavar e passar por água… Às vezes finjo só que vou à cozinha…” Apesar de a atitude ser, de certa forma, parecida com a minha, isto leva-me à realidade de por vezes o Gustavo estar sozinho com eles e lá me confessa: “Já cheguei a ficar sozinho em casa com eles durante 3 dias e invariavelmente quando a Filipa chega o que me apetece é ir para um hotel ou para um Spa…” Faço apenas mais uma provocação… Como será quando vierem mais? Será que é algo em que o Gustavo pensa: “Gostava de ter mais filhos mas “borro-me” todo que saiam mais 2… De qualquer maneira, o próximo quando vier, por muito mal comportado que seja, se for só um vai ser sempre mais fácil…” Para a semana cá estarei novamente, agora ainda com mais certeza que não me posso queixar assim tanto de cansaço!
Depois da conversa da passada semana, fiquei com este bichinho do regresso às origens… Como já tinha dito antes, um desejo que sempre tive e que tenho pena de não poder concretizar é o desejo de que o Sebastião pudesse crescer em Portalegre! Primeiro porque é a minha terra e depois porque acho que uma cidade pequena pode oferecer muito mais à qualidade de vida de uma criança do que uma cidade como Lisboa! Achei, portanto, que seria ideal falar com alguém que tivesse esta experiência para confirmar se aquilo que penso corresponde à verdade. Convidei então o João Picado, meu grande amigo de longa data, Portalegrense e Pai do Benjamim que também é Portalegrense.
Comecei a conversa com o João (ou melhor, com o Picado porque na verdade nunca lhe chamei João…), confessando-lhe uma espécie de inveja que tenho dele por ter a oportunidade de fazer crescer o Benjamim na nossa terrinha. “Nesse aspecto não há volta a dar, só tens uma solução… Ponderares voltar. Mas deixa-me dizer-te uma coisa… Ainda assim não será como a tua infância/adolescência porque vejo muitos pais a tratar os miúdos como se vivessem em Lisboa. Levá-los à porta da escola, mesmo vivendo a meia dúzia de casas. Eu procuro dar-lhe o máximo de liberdade possível. Estou curioso para ver como serão os próximos anos. Ainda é cedo, mas quero que ele vá para o parque brincar com os amigos sem a presença dos pais.” Isto leva-me então a ponderar que vantagens que fantasiei, talvez seja mesmo mais uma coisa dos tempos do que que do sítio em si! Provavelmente, aquilo que no fundo desejava era poder fazer o Sebastião crescer na mesma altura em que eu próprio cresci… Mas nisto o Picado partilha comigo o seguinte: “Nós vivemos num bairro com parque mesmo em frente e à volta há imensas oliveiras para ele trepar. Sei que quando tiver 7 ou 8 anos vai querer subir com os amigos, sem o pai atrás… Pelo menos é um desejo secreto meu! Outra coisa que noto que é fixe por vivermos em Portalegre é a probabilidade de os miúdos se reencontrarem nos fins-de-semana no parque, mesmo que não se combine. O Benjamim tem uma colega que mudou de escola mas de quando em vez encontram-se no Tarro e brincam!” Lá está… Com esta pequena afirmação volto imediatamente a pensar que estava certo no início! O simples facto de existirem oliveiras para trepar e haver paz para ele ir sozinho para o parque brincar com os amigos me mostra que o que queria era esta tranquilidade associada à cidade e a esta região… É disso mesmo que tenho inveja: do haver essa possibilidade! “Nisso temos uma vantagem tremenda… Mesmo que não haja a figura de um parque como Monsanto colado à cidade, tudo à volta é campo.” E isso é insubstituível…
Como já referi na conversa anterior, um dos meus desejos passa por mostrar e partilhar com o Sebastião os sítios que gostava em criança…. Onde andava à escola, onde brincava, onde jogava à bola! Sabendo que para o Picado estes sítios são praticamente os mesmos, quis saber se ele insistia também nisto: “Nem sempre o faço de forma deliberada. Acho que tens mais essa vontade por não estares cá. Estando cá, são os sítios habituais… Gosto muito de ir com ele ao Jardim do Tarro que visitava muito quando era pequeno. Também gosto de o levar ao parque de castelo de vide onde passei parte da infância. Para além disso, e como vivemos numa zona diferente, exploramos zonas a que não ia quando era miúdo. Mas sinto isso quando visito as minhas avós… No outro dia, por exemplo, foi muito giro, estivemos na Praceta e encontrámos miúdos dos 8 aos 14 anos que adoraram o Benjamim e enquanto andavam de volta dele, dei por mim a recordar as futeboladas, o jogar às escondidas, os joelhos esfolados e as mãos pretas do alcatrão e que implicavam banho antes de dormir nas noites quentes de verão…” Ao ouvir isto não pude conter um riso porque me apercebi de outra característica que Portalegre tinha… Esta coisa dos grupos de miúdos “dos 8 aos 14”! Na verdade, sempre foi assim… Nunca existiam grupos de crianças da mesma idade a brincar… Os companheiros de brincadeira eram os que havia lá rua e isso criava grupos muito heterogéneos de miúdos! Era, e pelos vistos continua a ser, como se fosse um gangue mas completamente inofensivo! Isto era ainda mais giro porque com o passar dos anos este grupo vai mudando, ou seja, uns entram, outros saem e os que continuam vão subindo de estatuto. “Sim é verdade… No bairro onde vivo isso acontece. Por vezes, quando os dias crescem e as temperaturas sobem, o parque do bairro enche-se de miúdos. Actualmente, o Benjamim é dos mais novos, mas no próximo verão vai deixar de ser e haverá miúdos dos 6 aos 2 ou 1 e meio.” Pode parecer estranho mas na verdade acho que isto faz um bem danado ao desenvolvimento das crianças…
No seguimento deste tema acabamos também por falar no quão mais fácil é termos os filhos debaixo de olho se for numa cidade mais pequena e ainda mais se essa for a cidade onde crescemos. Para isto lembrei o Picado de um episódio… Quando éramos adolescentes era comum (com mais ou menos dificuldade dependendo da noite anterior…) combinarmos jogar futebol nos sábados de manhã… Ora, o melhor campo para o fazer era o campo de futebol da Escola Secundária onde andávamos que estava fechada, por isso todos os Sábados tínhamos de fazer um gênero de assalto à nossa escola! Sabíamos que não podíamos, não contávamos aos nossos Pais, mas invariavelmente era isto que acontecia! Mas será que os nossos Pais não sabiam mesmo… “Eles sabiam claro… Aliás, os “assaltos” eram permitidos! Eu costumo lembrar uma história das jogatanas no campo do Colégio Diocesano… Eles deixavam sempre ir para lá, mas ao fim dos primeiros 5 ou 10 minutos aparecia sempre um padre numa janelinha lá no alto a queixar-se do vernáculo e a partir daí continuávamos a jogar sem asneiradas.” Isto é sem dúvida algo que apenas podemos ter na nossa terra… É uma mais valia imensa conhecer a maior parte dos truques e sobre o que é ou não “permitido” e poder controlar isso a uma relativa distância! Porque conhecemos os lugares, conhecemos as pessoas e assim tudo se torna mais fácil. “Quando somos miúdos aqui é comum fazermos determinadas coisas a pensar que somos muito crescidos e rebeldes, mas, sem sabermos, os nossos pais sabem e controlam. Porque eles também têm rede de contactos, os pais de todos nossos amigos, os professores, etc… e isso vai acontecer com o Benjamim.” Seja em que idade for, isto acaba por ser uma grande verdade e acho que traz uma tranquilidade enorme aos Pais, não os fazendo perder a coisa do “correr riscos e ser criança”…
Parece de facto ser quase perfeito por tudo o que o Picado conta… Mas serão só vantagens? Não haverá desvantagens nisto, falando exclusivamente da Paternidade: “Neste momento não… Nenhuma. Os infantários são muito mais baratos, normalmente a rede de apoio, seja familiar ou não, está mais concentrada. O tempo passa a voar e nem imagino como seria com 3 horas perdidas por dia no trânsito, por exemplo. O custo de vida é relativamente mais barato e depois tens a possibilidade, quando precisas, de ir aí, a Badajoz, onde quiseres. Até na oferta cultural para crianças, que não é tão grande, vão aparecendo coisas muito interessantes.” Neste momento aperta-se-me um pouco o coração porque sei que, apesar de todas as desvantagens que isto traria para a nossa vida no geral, isto será absolutamente verdade no que à Paternidade diz respeito!
Caminhando para o fim da conversa, apenas uma pequena provocação ao Picado… Fomos e somos ainda grandes fãs de Ornatos Violeta e por isso quis saber se o Benjamim já foi iniciado nestas lides: “Sim, uma vez no carro… mas pediu-me as músicas dele e não quis insistir. Curiosamente, já o fiz abanar a cabeça com Foo Fighters… Deixo-o ouvir o que ele gosta. De vez em quando, mostro-lhe coisas diferentes desde rock a jazz ou cante alentejano. Foi tão engraçado com o cante…. Não achou piada porque não dava para dançar” Cá nisso o Sebastião já sabe… Quando está com o Pai só ouve Muse, Green Day, Ornatos, etc, para se habituar às sonoridades, ou melhor, quero que ouça coisas diferentes do que ouve habitualmente para depois não estranhar nada que venha a conhecer. “Eu acredito que os moldamos precisamente porque eles se habituam à sonoridade. É por isso que tento mostrar-lhe coisas variadas… Mas que gosto claro…”
Para terminar, a minha pergunta inevitável ficou desta vez um pouco mais complexa… “Pois lamento informar mas a pergunta não se aplica… O Benjamim nunca usou chupeta. Só muito de vez em quando a utiliza como brinquedo de morder para aliviar a pressão dos dentes!” Sendo assim, passámos então para a parte metafísica da questão… Sobre a maneira como agimos quando estamos com e sem as Mães por perto: “Não há diferenças muito evidentes… Imaginemos que ele cai: Se estamos sozinhos digo para se levantar e só depois, se percebo que se magoou realmente, é que me aproximo, abraço, dou mimo. Se estou com a mãe, posso inicialmente fazer o mesmo, mas ao aperceber-me da aflição da Cristina, acabo por reagir de forma mais imediata… E o processo de fazer dele um homem perde-se (risos)” No fim de contas, acho que a história é a mesma mas contada de maneira diferente…
Para a semana aqui nos encontramos outra vez, muito provavelmente a dobrar…
Esta semana o Pai convidado foi o Camané Cipriano para falarmos sobre um assunto que me é muito querido! O Camané é colega de trabalho da Cláudia e partilha comigo, para além do ser Pai, o facto de ser Alentejano e ter nisso um grande orgulho.
Pode parecer pouco importante aos olhos de muita gente mas a vontade de transmitir um sentimento de pertença, em relação à nossa terra, a um filho é um dos maiores desafios que vislumbro nesta odisseia. Já vivo há muito tempo em Lisboa e o Sebastião nasceu aqui, mas quero que ele saiba desde sempre que esta não é a terra do Pai e que não é a única terra dele. “Ele já vai dizendo que é de Lisboa e de Elvas” diz-me o Camané, mas quando penso nisso em relação ao Sebastião chego a ficar nervoso… Ele irá certamente muitas vezes a Portalegre comigo, nomeadamente para visitar os avós, mas quero que ele saiba que aquela não é só a terra dos avós, mas que foi onde o Pai cresceu… Que metade dele é dali. A nossa conversa foi então neste sentido, porque na verdade, este sentimento é comum: “Gosto de o levar a passear pela cidade… De o levar a brincar aos sítios onde eu brincava”. Isso será certamente algo maravilhoso de fazer, mas tenho receio do difícil que possa ser fazê-lo… Haverão estratégias para isto? “Os miúdos gostam e aprendem muito com a música e uma coisa que eu tento incutir é ouvirmos os dois músicas do Alentejo… Tenho muitos amigos que tocam e cantam e gosto de o pôr a ouvir para ele entender que há uma tradição musical ligada ao Alentejo e que essas músicas têm um sentido e que contam uma história. É o ínicio para que nasça uma ligação afectiva… Se eu conseguir que ele ganhe esta afectividade e se sinta bem no Alentejo, tenho a certeza que ele se vai sentir de lá”. O Alentejo é algo que cresce nas pessoas quando é bem semeado, por isso concordo com o Camané que o importante é lançar este isco… O resto estou certo que acontecerá naturalmente.
Mas o que se ganha então com isto? Porque é tão importante para nós que uma criança se sinta ligada a esta região? “É muito importante porque eu nasci e cresci lá… Isso traz-me boas memórias e tem tudo a ver com aquilo que sou hoje. Ensinamentos de me desenrrascar, de estar habituado a dificuldades trago-os do Alentejo… As pessoas lá sempre foram habituadas a trabalhar muito. Cria-se um espírito de autonomia. Quero que quando ele for Pai e eu Avô, ele mostre aos filhos o que é o Alentejo e o que isso pode trazer para a nossa vida… O espírito de comunidade, de amizade… O estar no café à tarde com os amigos a beber copos… Isso constrói relações e forma as pessoas. Se eu não fizer esse trabalho de o ligar ao Alentejo os meus netos já não vão saber o que é o Alentejo e a sua tradição”. Tudo é diferente de tudo, mas para mim e para qualquer Alentejano, o ser-se do Alentejo é muito muito diferente. Há um sentimento de proximidade maior com as pessoas, um gostar de receber as pessoas, um gosto por aprender a fazer as coisas e superar contrariedades! Não quero que o Sebastião seja aquilo a que eu sempre chamei um menino de Lisboa, que não está habituado ao campo e aos animais, que nunca tocou numa ovelha, que não está à vontade com a terra e a lama, que não se entretém se não tiver brinquedos e aparelhinhos com ele… O Camané partilhou comigo receios semelhantes “Eu sinto com os amigos dele da escola que os miúdos são muito medrosos hoje em dia… Veem uma aranha, um gafanhoto e têm medo. Gostava de lhe mostrar que isso é a Natureza e é normal… Que o mundo não são só prédios e carros. Foi no Alentejo que ele perdeu o medo de cães, dos patos, das cabras e isso é muito muito bom. Prefiro que ele tenha sempre os ténis cheios de terra e lama porque para mim isso é que é saudável”. É isto que sinto também… Este estar confortável em qualquer situação. O Alentejo está constantemente a dizer-nos “Faz-te num homem, rapazinho!” e é esta ajuda que quero ter ao educar o Sebastião! “Os miúdos hoje já não sobem às árvores… O pediatra do Francisco até me disse que eles hoje têm mais pé-chato porque não sobem às árvores! Um dia num passeio ele queria muito aprender a subir a uma árvore e uma vez lá consegui e ensinei-o a subir… Mas depois não conseguiu descer… ao contrário dos filhos dos meus amigos que estão habituados, não conseguiu perceber que podia usar o mesmo caminho que usou para subir… Mesmo à terceira ou quarta vez, quando já subia sozinho, nunca conseguiu descer. Eu gostava muito que ele conseguisse subir e descer a uma árvore sozinho… Parece que não mas sinto que é um passo importante para ele; noto muito nos amigos dele cá em Lisboa que eles desistem muito facilmente e isso dá-me algum receio! O Alentejo traz um bocadinho essa resiliência e em conjunto um grande prazer na conquista… Está muito ligado ao trabalho e ao sacrifício.” É engraçado como isto faz tanto sentido…
Outra coisa que o ter nascido no Alentejo me deu, foi a possibilidade de crescer lá. Ser criança em Portalegre, no meu caso, ou em Elvas, no caso do Camané, é muito diferente do ser criança em Lisboa! Tenho pena que isso não possa acontecer com o meu filho, porque são muitas as coisas que se perdem… A liberdade que está associada à tranquilidade de viver no Alentejo é muito importante para as crianças e entristece-me que ele não a venha a ter. “Eu tive a chave de casa aos 6 anos… Muito possivelmente um miúdo de 12 anos em Lisboa não tem ainda a chave de casa. Lá podemos brincar na rua, ir sozinhos a pé para casa e para a escola. O facto de se brincar tanto na rua torna mais fácil criar relações de amizade e memórias… Há memórias de coisas que eu fazia quando ia brincar que eles nunca vão ter”. Lembro-me como se fosse hoje disso… Do caminho da escola para casa, do ficar a jogar à bola na rua a meio desse caminho se me apetecesse, do dizer à minha mãe depois de jantar que ia jogar às escondidas com os meus vizinhos para a rua. Não vejo de todo que isso seja possível com o meu filho e certamente que, se for, não vou ficar tão confortável como os meus pais ficavam quando eu o fazia. E isto faz abrir um pouco a mente às crianças… Arranjar mais coisas para fazer. O que queria era estar na rua e entretinha-me com qualquer coisa. Podia passar um dia inteiro no campo com o meu Pai, sem brinquedos, e divertia-me a escavar buracos, a saltar nas pedras ou à procura de bichos. Não precisava de nada para estar a brincar a tarde toda e gostava que o Sebastião fosse assim. “Nas grandes cidades os miúdos vivem muito com a ideia do “ter”… Eu gostava que ele aprendesse que isso não é mais importante… Deve primeiro aprender a fazer muitas coisas, pegar num pau e ter imaginação para brincar com ele! Antes dos tablets e dos telefones têm de sujar as mãos e estar em contacto com a Natureza ao ar-livre… Desenvolve-os e fortalece-os muito mais. Para além disso a educação que eu tive no Alentejo fez com que fosse mais difícil cair nas grandes tentações que as cidades grandes têm”
É então nesta parte que o nosso papel, como um Pai Alentejano que se preze, reside. “Ele já faz a ligação de estar ao ar-livre ao Pai… A isso e aos animais. O Francisco gosta muito de estar em casa… Eu como Pai tento muito que ele saia dessa zona de conforto. Se o dia está bom, nunca ficamos em casa… Vamos sempre apanhar Sol e só para estar no meio das árvores… Quero que ele se sinta bem na Natureza”. Quero que o Sebastião também me ligue a isso… Que saiba que com o Pai pode andar sempre a brincar no chão e na terra nem que seja ali no Jardim da Estrela. E que isso lhe aguce a vontade de ir à terra do Pai. “Eu, pessoalmente, gostava muito que ele me pedisse “Pai, vamos a Elvas”, mas ainda não aconteceu… No dia em que ele disser isso, já sinto que fiz algum trabalho… Vou ficar de coração cheio”. E talvez esse dia seja um começo para que eles se comecem a sentir também Alentejanos… Para que ganhem gosto pela terra e pelas tradições e para que comecem a convidar os amigos da escola para lá irem com eles! E talvez quando isso acontecer eles olhem para os outros como os meninos de Lisboa que não sabem o que é estar no campo e isso nos encha de um orgulho que só nós entendemos: “Sentia-me mesmo super orgulhoso… Gostava imenso que isso acontecesse”
Uma certeza que tenho, é que, se não antes, pelo menos lá para os 18 anos eles vão gostar de lá ir e levar os amigos ”Ir com os amigos ao São Mateus vai acontecer de certeza!”. Na idade em que se começa a gostar de beber uns copos com os amigos, o Alentejo, as suas festas e tradições são muito cativantes e com este rumo de conversa acabamos por partilhar um outro desejo em comum: “Gostava que a primeira mini fosse comigo e que fosse em Elvas”. Bem sei que será difícil, mas desta frase apenas trocava o nome da cidade…
Terminando a conversa, apenas a recorrente questão da chucha no chão… E como bom Alentejano o Camané respondeu: “No início lavava sempre a chucha, mas depois punha-a na minha boca e estava bom até que uma vez fiz à frente da mãe e ela não gostou da coisa. Mas quando não estava com a Mãe fazia sempre igual, colocava-a na minha boca e podia seguir…”
Até para a semana e não se esqueçam de levar as crianças para o campo…
Estas alturas de final/início de ano são sempre alturas de análise e balanço. Normalmente avaliamos o ano que passou com base nas nossas experiências e na opinião geral das pessoas e fazemos uma quantidade enorme de promessas, decisões, resoluções e expectativas para o ano que aí vem… Imbuído neste espirito, decidi que esta semana é também isso que farei!
Por tudo o que vejo e leio, e também pelo que uma parte mais racional do meu ser tenta dizer, 2016 foi aquilo a que se chama um Annus Horribilis… foi um sem número de acontecimentos mais tristes e bizarros tão condensados em 12 meses, que é difícil pensar em 2016 como um ano brilhante! É um sentimento quase palpável quando percorremos o nosso feed no Facebook, quando lemos os artigos de revisão ao ano das revistas e jornais, quando vemos as reportagens de fim de ano nas televisões… é quase unânime que este famigerado ano não deixará grandes saudades em ninguém que habite este Mundo! E mesmo sabendo e concordando com tudo isto, conseguem adivinhar o que acho eu de 2016? Simples… Foi indubitavelmente o melhor ano da minha vida! E mais inacreditável ainda é que bastava um único dia do ano que passou para ser o melhor… Exactamente o dia em que aquilo que é prioritário e o que não é mudaram para sempre… O dia em que percebi aquilo que vai daqui em diante dar-me anos cada vez melhores! Pode até ser algo egoísta ver as coisas assim, mas é difícil para mim ver egoísmo em algo que está totalmente focado numa pessoa que não sou eu! Um simples sorriso do Sebastião, um grito, um choro, uma festinha, um olhar… Qualquer destas coisas veio redefinir completamente o que me traz felicidade e mostrou-me que essa mesma felicidade tem um conjunto de dimensões com o qual eu nunca sonhei! Nunca recordarei 2016 pelos ídolos que morreram, pelos atentados, pelas eleições, pelo estado deplorável do Mundo… 2016 será sempre só e somente o ano que o meu filho nasceu… O ano em que o vi pela primeira vez, em que o ouvi, o cheirei, o toquei! O ano em que o levei para casa, em que o tive pela primeira vez a dormir no bercinho ao lado da minha cama e em que pus pela primeira vez a mão na barriga dele para ver se estava a respirar. Vou recordar-me por ter aprendido o que é o sorriso de um filho e o que é a preocupação de um Pai! Vou recordar-me por na passagem de ano me ter sobrado apenas uma passa com desejos para mim! Conseguimos relativizar tudo e pôr tudo numa perspectiva diferente… E se houve coisa que este espaço de discussão da Paternidade me ensinou, é que isto é completamente transversal a todos os Pais com quem falei! Vê-se nos olhos de todos ao falar dos filhos, ao recordar o que já se passou e ao sonhar com o que está para vir… Tenho a certeza que as imagens mais marcantes do ano para todos com quem já falei têm alguma coisa a ver com os filhos. Por cada voto no Trump houve um troca de olhares, por cada bomba que rebentou houve um sorriso deles, por cada músico que nos deixou houve um gritinho que odiámos ouvir mas do qual sentimos falta passadas 2 horas… São estas coisas que, tal como o azeite na água, vêm ao de cima quando olhamos para trás!
O que esperar então de 2017? Simples novamente… Espero que seja o melhor da minha vida! Porque se há coisa que descobri é que nestas andanças o dia seguinte é sempre melhor que o anterior… Porque o anterior já passou, ficou cá guardadinho e no seguinte temos tudo isso mais aquilo que ainda vai acontecer! O que espero de 2017 é então toda a felicidade que veio no ano passado junta às coisas que vou ganhar agora… Porque nunca vão deixar de acontecer primeiras vezes! Espero pelo primeiro gatinhar, pelo primeiro passo, pela primeira amostra de palavra, pela primeira birra a sério, pelo pânico de o deixar pela primeira vez com outra pessoa à noite, pela primeira sova de cansaço por andar a correr de gatas atrás dele, pela primeira vez que brincarmos com um brinquedo, pela primeira vez que vai olhar para mim de uma maneira que nunca olhou antes! De 2017 espero por todos os dias porque cada um me vai dar uma coisa diferente e porque desde dia 27 de Setembro de 2016 que todos os dias tenho sido um pouquinho mais feliz…
Um Bom Ano a todos e cá estarei para a semana, para voltarmos às nossas conversas com os Pais que há por aí, porque ainda há muitas coisas que preciso discutir…