Esta semana o Pai convidado foi o Camané Cipriano para falarmos sobre um assunto que me é muito querido! O Camané é colega de trabalho da Cláudia e partilha comigo, para além do ser Pai, o facto de ser Alentejano e ter nisso um grande orgulho.
Pode parecer pouco importante aos olhos de muita gente mas a vontade de transmitir um sentimento de pertença, em relação à nossa terra, a um filho é um dos maiores desafios que vislumbro nesta odisseia. Já vivo há muito tempo em Lisboa e o Sebastião nasceu aqui, mas quero que ele saiba desde sempre que esta não é a terra do Pai e que não é a única terra dele. “Ele já vai dizendo que é de Lisboa e de Elvas” diz-me o Camané, mas quando penso nisso em relação ao Sebastião chego a ficar nervoso… Ele irá certamente muitas vezes a Portalegre comigo, nomeadamente para visitar os avós, mas quero que ele saiba que aquela não é só a terra dos avós, mas que foi onde o Pai cresceu… Que metade dele é dali. A nossa conversa foi então neste sentido, porque na verdade, este sentimento é comum: “Gosto de o levar a passear pela cidade… De o levar a brincar aos sítios onde eu brincava”. Isso será certamente algo maravilhoso de fazer, mas tenho receio do difícil que possa ser fazê-lo… Haverão estratégias para isto? “Os miúdos gostam e aprendem muito com a música e uma coisa que eu tento incutir é ouvirmos os dois músicas do Alentejo… Tenho muitos amigos que tocam e cantam e gosto de o pôr a ouvir para ele entender que há uma tradição musical ligada ao Alentejo e que essas músicas têm um sentido e que contam uma história. É o ínicio para que nasça uma ligação afectiva… Se eu conseguir que ele ganhe esta afectividade e se sinta bem no Alentejo, tenho a certeza que ele se vai sentir de lá”. O Alentejo é algo que cresce nas pessoas quando é bem semeado, por isso concordo com o Camané que o importante é lançar este isco… O resto estou certo que acontecerá naturalmente.
Mas o que se ganha então com isto? Porque é tão importante para nós que uma criança se sinta ligada a esta região? “É muito importante porque eu nasci e cresci lá… Isso traz-me boas memórias e tem tudo a ver com aquilo que sou hoje. Ensinamentos de me desenrrascar, de estar habituado a dificuldades trago-os do Alentejo… As pessoas lá sempre foram habituadas a trabalhar muito. Cria-se um espírito de autonomia. Quero que quando ele for Pai e eu Avô, ele mostre aos filhos o que é o Alentejo e o que isso pode trazer para a nossa vida… O espírito de comunidade, de amizade… O estar no café à tarde com os amigos a beber copos… Isso constrói relações e forma as pessoas. Se eu não fizer esse trabalho de o ligar ao Alentejo os meus netos já não vão saber o que é o Alentejo e a sua tradição”. Tudo é diferente de tudo, mas para mim e para qualquer Alentejano, o ser-se do Alentejo é muito muito diferente. Há um sentimento de proximidade maior com as pessoas, um gostar de receber as pessoas, um gosto por aprender a fazer as coisas e superar contrariedades! Não quero que o Sebastião seja aquilo a que eu sempre chamei um menino de Lisboa, que não está habituado ao campo e aos animais, que nunca tocou numa ovelha, que não está à vontade com a terra e a lama, que não se entretém se não tiver brinquedos e aparelhinhos com ele… O Camané partilhou comigo receios semelhantes “Eu sinto com os amigos dele da escola que os miúdos são muito medrosos hoje em dia… Veem uma aranha, um gafanhoto e têm medo. Gostava de lhe mostrar que isso é a Natureza e é normal… Que o mundo não são só prédios e carros. Foi no Alentejo que ele perdeu o medo de cães, dos patos, das cabras e isso é muito muito bom. Prefiro que ele tenha sempre os ténis cheios de terra e lama porque para mim isso é que é saudável”. É isto que sinto também… Este estar confortável em qualquer situação. O Alentejo está constantemente a dizer-nos “Faz-te num homem, rapazinho!” e é esta ajuda que quero ter ao educar o Sebastião! “Os miúdos hoje já não sobem às árvores… O pediatra do Francisco até me disse que eles hoje têm mais pé-chato porque não sobem às árvores! Um dia num passeio ele queria muito aprender a subir a uma árvore e uma vez lá consegui e ensinei-o a subir… Mas depois não conseguiu descer… ao contrário dos filhos dos meus amigos que estão habituados, não conseguiu perceber que podia usar o mesmo caminho que usou para subir… Mesmo à terceira ou quarta vez, quando já subia sozinho, nunca conseguiu descer. Eu gostava muito que ele conseguisse subir e descer a uma árvore sozinho… Parece que não mas sinto que é um passo importante para ele; noto muito nos amigos dele cá em Lisboa que eles desistem muito facilmente e isso dá-me algum receio! O Alentejo traz um bocadinho essa resiliência e em conjunto um grande prazer na conquista… Está muito ligado ao trabalho e ao sacrifício.” É engraçado como isto faz tanto sentido…
Outra coisa que o ter nascido no Alentejo me deu, foi a possibilidade de crescer lá. Ser criança em Portalegre, no meu caso, ou em Elvas, no caso do Camané, é muito diferente do ser criança em Lisboa! Tenho pena que isso não possa acontecer com o meu filho, porque são muitas as coisas que se perdem… A liberdade que está associada à tranquilidade de viver no Alentejo é muito importante para as crianças e entristece-me que ele não a venha a ter. “Eu tive a chave de casa aos 6 anos… Muito possivelmente um miúdo de 12 anos em Lisboa não tem ainda a chave de casa. Lá podemos brincar na rua, ir sozinhos a pé para casa e para a escola. O facto de se brincar tanto na rua torna mais fácil criar relações de amizade e memórias… Há memórias de coisas que eu fazia quando ia brincar que eles nunca vão ter”. Lembro-me como se fosse hoje disso… Do caminho da escola para casa, do ficar a jogar à bola na rua a meio desse caminho se me apetecesse, do dizer à minha mãe depois de jantar que ia jogar às escondidas com os meus vizinhos para a rua. Não vejo de todo que isso seja possível com o meu filho e certamente que, se for, não vou ficar tão confortável como os meus pais ficavam quando eu o fazia. E isto faz abrir um pouco a mente às crianças… Arranjar mais coisas para fazer. O que queria era estar na rua e entretinha-me com qualquer coisa. Podia passar um dia inteiro no campo com o meu Pai, sem brinquedos, e divertia-me a escavar buracos, a saltar nas pedras ou à procura de bichos. Não precisava de nada para estar a brincar a tarde toda e gostava que o Sebastião fosse assim. “Nas grandes cidades os miúdos vivem muito com a ideia do “ter”… Eu gostava que ele aprendesse que isso não é mais importante… Deve primeiro aprender a fazer muitas coisas, pegar num pau e ter imaginação para brincar com ele! Antes dos tablets e dos telefones têm de sujar as mãos e estar em contacto com a Natureza ao ar-livre… Desenvolve-os e fortalece-os muito mais. Para além disso a educação que eu tive no Alentejo fez com que fosse mais difícil cair nas grandes tentações que as cidades grandes têm”
É então nesta parte que o nosso papel, como um Pai Alentejano que se preze, reside. “Ele já faz a ligação de estar ao ar-livre ao Pai… A isso e aos animais. O Francisco gosta muito de estar em casa… Eu como Pai tento muito que ele saia dessa zona de conforto. Se o dia está bom, nunca ficamos em casa… Vamos sempre apanhar Sol e só para estar no meio das árvores… Quero que ele se sinta bem na Natureza”. Quero que o Sebastião também me ligue a isso… Que saiba que com o Pai pode andar sempre a brincar no chão e na terra nem que seja ali no Jardim da Estrela. E que isso lhe aguce a vontade de ir à terra do Pai. “Eu, pessoalmente, gostava muito que ele me pedisse “Pai, vamos a Elvas”, mas ainda não aconteceu… No dia em que ele disser isso, já sinto que fiz algum trabalho… Vou ficar de coração cheio”. E talvez esse dia seja um começo para que eles se comecem a sentir também Alentejanos… Para que ganhem gosto pela terra e pelas tradições e para que comecem a convidar os amigos da escola para lá irem com eles! E talvez quando isso acontecer eles olhem para os outros como os meninos de Lisboa que não sabem o que é estar no campo e isso nos encha de um orgulho que só nós entendemos: “Sentia-me mesmo super orgulhoso… Gostava imenso que isso acontecesse”
Uma certeza que tenho, é que, se não antes, pelo menos lá para os 18 anos eles vão gostar de lá ir e levar os amigos ”Ir com os amigos ao São Mateus vai acontecer de certeza!”. Na idade em que se começa a gostar de beber uns copos com os amigos, o Alentejo, as suas festas e tradições são muito cativantes e com este rumo de conversa acabamos por partilhar um outro desejo em comum: “Gostava que a primeira mini fosse comigo e que fosse em Elvas”. Bem sei que será difícil, mas desta frase apenas trocava o nome da cidade…
Terminando a conversa, apenas a recorrente questão da chucha no chão… E como bom Alentejano o Camané respondeu: “No início lavava sempre a chucha, mas depois punha-a na minha boca e estava bom até que uma vez fiz à frente da mãe e ela não gostou da coisa. Mas quando não estava com a Mãe fazia sempre igual, colocava-a na minha boca e podia seguir…”
Até para a semana e não se esqueçam de levar as crianças para o campo…